"Dia escuro para Israel"
por José Arbex Jr.
"Este é um dia escuro para Israel", disse Iariv Openheimer, do grupo Paz Agora, uma das mais importantes organizações israelenses que lutam por um tratado de paz justo com os palestinos. Openheimer se referia à vitória eleitoral de Ariel Sharon, no dia 29 de janeiro. O partido de Sharon, Likud, dobrou o número de cadeiras que tinha no Parlamento, das 19 que detinha antes das eleições, para 38, de um total de 120. Detalhe: um congresso do mesmo Likud, realizado em 14 de maio passado, proclamou que "nenhum Estado palestino será criado a oeste do rio Jordão", um referência à área que inclui Israel, Cisjordânia e faixa de Gaza. Isto é: o Likud, o grande vitorioso, criou uma "bomba atômica" política, ao vetar a possibilidade de criação de um Estado palestino.
O Partido Trabalhista caiu de 25 cadeiras para apenas 19, o seu pior resultado desde a fundação de Israel. O partido Meretz (formado, nos anos 80, a partir de uma cisão à esquerda do Partido Trabalhista) caiu de 10 cadeiras para 6. Isso indica, claramente, uma derrota para os setores mais propensos ao diálogo. Um termômetro do clima de pessimismo instalado em Israel é dado pelo discurso de renúncia do deputado Yossi Sarid à liderança do Meretz: "Dois fatores nos machucaram. [Um foi] o Partido Trabalhista, que também pagou um preço alto esta noite. Ele precisa perceber que todo nosso campo foi ferido de forma extensa e ameaçadora. É impossível construir uma alternativa dentro do governo. O segundo fator foi Arafat. É perfeitamente claro que uma das razões de nossa perda é que somos vistos como amantes dos árabes. Nós amamos os árabes, assim como amamos os judeus e amamos a humanidade. Ficamos na oposição, como a única oposição, sob condições impossíveis. Acho que fomos os únicos que emitimos uma voz alternativa neste país miserável, e tivemos um mandato de importância e significado sem par, e este é o resultado" (o discurso foi publicado no jornal Ha'aretz, em 29 de janeiro, e traduzido para o português pelo grupo Paz Agora no Brasil).
Há muitas explicações possíveis para a vitória incontrastável do Likud. A primeira - talvez, a mais importante -, a que se refere Sarid em seu discurso, é o desgaste sofrido pelo Partido Trabalhista, que até o final do ano passado compunha o governo com Ariel Sharon, assumindo assim parte da responsabilidade por um banho de sangue, que desde setembro de 2000 já causou a morte de pelo menos 1.805 palestinos e 698 israelenses. Isso ajudou a sedimentar uma sensação de perplexidade e desânimo em parte do eleitorado, como mostra o alto índice de abstenção: cerca de 69% dos eleitores compareceram às urnas, uma queda dramática se comparada aos 79% de comparecimento, nas legislativas de 1999, quando ainda se acreditava na possibilidade de sobrevivência dos Acordos de Oslo.
Assim, o resultado final disso tudo é que o homem forte de Israel é, hoje, um reconhecido carniceiro, ao passo que os setores da oposição estão em processo de "refluxo", ainda que temporário. A perspectiva de uma paz realista - que demanda a retirada de Israel dos territórios ocupados em 1967 e a criação de um Estado palestino - está cada vez mais distante. É certo que Sharon defende, formalmente, a criação de um Estado palestino (no já citado congresso do Likud, ele foi derrotado pelo setor liderado pelo ex-primeiro ministro Binyamin Netanyahu). Mas "Estado palestino", segundo Sharon, não passa daquilo que Jeff Halper (do Comitê Israelense contra a Demolição de Casas palestinas) chama de "depósito humano" - uma entidade destinada a policiar milhões de seres humanos confinados, economicamente inviável (já que seu território seria entrecortado por assentamentos judaicos ilegais) e politicamente insustentável (já que sua soberania seria fictícia, completamente subordinada às "necessidades estratégicas" de Israel). Sharon fala em um "Estado limitado", sem que ninguém saiba exatamente o que ele quer dizer com isso.
Mas ainda é muito cedo para fazer qualquer previsão sobre como evoluirá a situação nas próximas semanas e meses, já que a conjuntura na região depende do que acontecer entre Estados Unidos e Iraque. Caso haja de fato um ataque estadunidense, os efeitos podem ser catastróficos, com a multiplicação de atentados e novas matanças. Outro cenário possível seria a formação de um "Estado limitado" palestino, sob pressão de George Bush, como forma de "compensação" pela nova humilhação imposta aos árabes. Isso, é claro, não resolveria coisa alguma, mas acrescentaria novas incógnitas.
O tempo dirá. Independente disso, uma coisa é absolutamente certa: 29 de janeiro foi "um dia escuro para Israel".
José Arbex Jr., é jornalista.
www.carosamigos.com.br
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