terça-feira, abril 09, 2002

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Modestas propostas

por Carlos Castelo Branco

O satirista Jonathan Swift criou uma célebre e polêmica peça de humor negro em 1729: "Uma proposta modesta para evitar que os filhos dos pobres na Irlanda sejam um fardo a seus pais ou ao país, e para torná-los benefícios ao público".
Ali, propunha à sociedade uma solução para o grave problema social que reinava no século XVIII.
Solução bastante simples, inclusive. Pegar as criancinhas pobres da Irlanda e transformar em comida. Leia um pequeno trecho do original:
"Fui assegurado por um americano muito instruído que conheço em Londres que uma jovem criança saudável bem cuidada é com um ano de idade uma comida das mais deliciosas, nutritivas, e completas, seja guisada, tostada, assada ou cozida; e não tenho dúvida que servirá igualmente num fricassée ou num ragú? Uma criança fará dois pratos num entretenimento para amigos; e quando a família janta sozinha, o quarto posterior ou o traseiro farão um prato razoável, e temperado com um pouco de pimenta ou sal ficará muito bom cozido no quarto dia, especialmente no inverno".
Depois desse breve intróito, o autor discorria numa didática peroração sobre as vantagens da medida: fim da fome, aumento das exportações de carcaças, melhoria da qualidade do bacon etc etc.
Diante de tal raciocínio, pergunto-me se não deveríamos adotar posições mais pragmáticas num país como o nosso. (Mas antes que me chamem de Pol Pot da Caros Amigos, lembro ao leitor que o verdadeiro criador dessa pensata é o velho Jonathan. Eu, como dizem os repórteres de rádio, estou apenas "repercutindo" o fato).
Que tal então pegar os políticos corruptos e fazer ração para gado? Isso fomentaria o setor, criaria uma nova linhagem bovina mais bem alimentada e, conseqüentemente, mais apta a sobreviver em regiões de clima hostil, como a caatinga e o cerrado.
Uma pequena medida transformaria regiões inteiras, fazendo áreas hoje abandonadas à sua própria sorte virarem pólos agropecuários de renome internacional. Além de ser uma ótima piada.
Outra opção seria juntar o pessoal da alta cartolagem futebolística e fazer mortadela. Claro, a maioria das mortadelas é produzida com carne de cavalo. A manufaturada com carne de cartola ficaria com uma qualidade inferior, meio rançosa, com gosto de cabo de guarda-chuva. Mas para a nossa situação de famintos crônicos, qualquer recheio no pão cairia bem como o diabo. E com uma tubaína para equilibrar então, estaria tudo em casa.
Aliás, por que não fazer o pão desse sanduíche com a banha do pessoal das oligarquias nordestinas? O que tem de político gordo naquele polígono das secas não está escrito nem no "O Coronel e o Lobisomem".
Como diria o mestre Swift, last but not least, qual seria o destino de certa equipe econômica francamente neoliberalizante? Penso que eles poderiam virar recheio de pizza. Afinal, não é assim que gostariam que o país acabasse?


Carlos Castelo Branco é escritor.
www.carloscastelobranco.com.br

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