domingo, setembro 01, 2002

Tem animal político e tem político animal


por Mylton Severiano

Junto com a mãe do juiz de futebol, não há mãe mais xingada que mãe de político. Contudo, como diz Caetano em Vaca Profana, de perto ninguém é normal. Ou, como diz o povo, o diabo não é tão feio como se pinta.
Tenho convivido com políticos desde a tenra infância. Meu pai, que pertencia ao Partido Comunista, me punha a assistir às reuniões dos "companheiros" e, menino, eu já ia aos comícios em que ele falava para dez pessoas ou quarenta mil, por dez minutos ou duas horas.
No encerramento da campanha presidencial de Juscelino Kubitschek em 1955, nunca me esquecerei da cena, na praça em frente do Cine Marília. Antes de JK, falou meu pai, vereador pelo PTB getulista, já que o PC era proscrito. Eu tinha 15 anos. Fiquei no meio da multidão. Do meu lado, uma mulher simples, com o filho dormindo no colo. Ela acompanhava as palavras de meu pai mesmerizada, e o filho ia escorregando colo abaixo, quase caía, ela mecanicamente puxava o bebê para cima, e ele escorregava colo abaixo de novo, ela hipnotizada, e aquilo se repetiu várias vezes. O poder da fala sempre me causou inveja, admiração.
Com o fim da ditadura e a retomada das campanhas políticas, passei a trabalhar com políticos. Têm uma coisa bem notável em comum com os artistas: o afã do protagonismo, um tipo especial de vaidade, o holofote, o centro do palco. Certa vez, gravamos a fala de um deputado de esquerda, bonitão, um "gato". Era uma fala importante para o programa do PT. Ele falou direitinho e pediu para ver como ficou. Para nós, estava "dez". Mas ele disse que ia regravar. O que será que havia de errado? "Nada não, mas aqui do lado tem uma mecha de cabelo desalinhada", disse ele, sacando um pente do bolso e arrumando as melenas.
Mas o que querem os políticos? O poder - o maior afrodisíaco que existe, dizia Ulysses Guimarães. Poder para quê? Norberto Bobbio em Dicionário de Política:
(...) o poder é definido por vezes como uma relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe ao outro a própria vontade e lhe determina, malgrado seu, o comportamento. Mas, como o domínio sobre os homens não é geralmente fim em si mesmo, mas um meio para obter 'qualquer vantagem' ou, mais exatamente, 'os efeitos desejados', como acontece com o domínio da natureza, a definição do poder como tipo de relação entre sujeitos tem de ser completada com a definição do poder como posse dos meios (entre os quais se contam como principais o domínio sobre os outros e sobre a natureza) que permitem alcançar justamente uma 'vantagem qualquer' ou os 'efeitos desejados'.
Depende do caráter de cada político que uma vantagem qualquer ou os efeitos desejados sejam egoístas ou altruístas.
No curso de Direito, o professor Gofredo da Silva Telles nos apresentou o conceito aristotélico do homem como animal político (zoon politikon). Animal gregário, não teríamos sobrevivido por milhões de anos se assim não fosse. Políticos por natureza, portanto, até quem diz 'não quero saber de política' está tomando uma posição 'política'. E precisamos dos políticos. Senão, quem nos animaria a lutar pela realização de nossas utopias? Nossos sonhos? Não nos esqueçamos de que foram grandes políticos (líderes de massas) um Ghandi, um Mao Tse-tung, um Jesus Cristo, um Maomé, um Che Guevara. Como em toda categoria social, há maus e bons, há uma massa de anônimos e alguém que se destaca pela genialidade a serviço do bem comum.
Por mais tentador que seja generalizar, dizer que todo político não passa de um f.d.p., lembremos que está cheio de político de verdade na história. E que mesmo os maus não são perfeitos: até sem querer sempre acabam fazendo alguma coisa boa.

Mylton Severiano é jornalista.

fonte: Caros Amigos

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